A exigência de limite de idade em concursos públicos, especialmente para cargos da área de segurança pública, como Polícia Militar, Polícia Civil, Bombeiros e Guardas Municipais, é uma das questões mais controversas do Direito Administrativo atual. Embora a Administração Pública tenha o dever de organizar concursos com critérios objetivos, surge a necessidade de se relativizar o critério etário em situações específicas, sobretudo quando o candidato é aprovado no certame, mas é excluído apenas por ter ultrapassado a idade-limite.

Situação Atual
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, caput, estabelece que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”, princípio fundamental para o Estado Democrático de Direito. Esse princípio da isonomia deve ser o alicerce das relações jurídicas, inclusive no acesso ao serviço público. No mesmo sentido, o artigo 37, inciso I, da Constituição, preconiza que “os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei”. Isso implica que qualquer restrição ao ingresso no serviço público deve ser justificada por uma previsão legal específica e estar diretamente relacionada às atribuições do cargo.
Nesse contexto, surge a discussão sobre a constitucionalidade das previsões de limite de idade para o ingresso no serviço público. A imposição de um limite etário, embora presente em algumas normas e editais, suscita questionamentos sobre sua compatibilidade com o princípio da isonomia, que garante que todos os cidadãos devem ser tratados de forma igual perante a lei, sem discriminação.
É possível afirmar que a Constituição não proíbe a fixação de limites de idade para ingresso em cargos públicos, desde que essa limitação tenha base legal expressa e seja justificada pela natureza das atribuições do cargo, como já decidido pelo Supremo Tribunal Federal (STF). No entanto, a imposição de idade máxima para o ingresso em determinados cargos deve ser analisada com rigor, considerando a necessidade de fundamentação objetiva e proporcionalidade. Não se pode admitir a imposição de restrições de idade sem que estas sejam pertinentes e necessárias para a execução das funções do cargo público.
Por sua vez, o STF e o STJ vêm adotando posicionamentos que apontam para a possibilidade de flexibilização do requisito da idade desde que se configurem situações excepcionais, especialmente quando o juiz concede um prazo além do razoável para o cumprimento de uma obrigação, o que pode prejudicar a efetividade da justiça entre a inscrição e a nomeação, fato que escapa da esfera de controle do candidato.
Fundamento Jurídico e Doutrinário
O direito à nomeação de candidatos aprovados em concurso público tem sido amplamente resguardado pela jurisprudência pátria, especialmente em situações em que a exclusão do certame se revela desarrazoada e injusta. Especificamente, os tribunais superiores vêm reconhecendo que, quando o candidato possuía a idade exigida legalmente no momento da inscrição no concurso, não se lhe pode imputar qualquer penalidade em decorrência de eventual demora da Administração na convocação para fases posteriores, como o curso de formação. Isso ocorre, por exemplo, quando há prorrogação do prazo de validade do certame ou dilação excessiva e injustificada entre a homologação e a convocação, por exclusiva culpa do Poder Público. Nesses casos, a exclusão do candidato implicaria violação direta aos princípios constitucionais da razoabilidade, da proporcionalidade, da segurança jurídica e da proteção à confiança legítima. Trata-se de proteger o direito subjetivo à nomeação daqueles que, uma vez aprovados dentro do número de vagas e atendendo aos requisitos no momento oportuno, não podem ser prejudicados por falhas administrativas posteriores. A manutenção de decisões nesse sentido tem sido essencial para garantir a estabilidade jurídica do instituto do concurso público e a efetivação do princípio da legalidade na atuação estatal.
Segundo o jurista José dos Santos Carvalho Filho:
“FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 34. ed. São Paulo: Atlas, 2020)
Atual jurisprudência
STF – RE 608.482/DF – Tema 161 da Repercussão Geral
“É constitucional a fixação de limite etário em concurso público para ingresso em cargo da carreira militar, estabelecido em lei, desde que haja previsão no edital e esteja justificada pela natureza das atribuições do cargo.”
(STF, RE 608.482, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 26/03/2015)
Apesar de reconhecer a constitucionalidade do limite etário, o STF não vedou sua relativização, especialmente quando há abuso ou demora injustificada por parte da Administração. STJ – RMS 37.038/SP
“Não pode ser penalizado o candidato que, à época da inscrição no certame, preenchia todos os requisitos exigidos, inclusive o etário, mas foi preterido por mora exclusiva da Administração Pública.”
(STJ, RMS 37.038/SP, Rel. Min. Eliana Calmon, j. 25/06/2013)
TRF4 – Apelação Cível 5008711-05.2020.4.04.7200
“Caracteriza-se violação ao princípio da razoabilidade a eliminação do candidato por critério etário após a demora injustificada da Administração em dar seguimento às fases do certame.”
A relativização da idade em concursos de segurança pública representa um avanço no reconhecimento dos direitos dos candidatos e na consolidação do princípio da razoabilidade e da confiança legítima. O Judiciário tem desempenhado um papel essencial para garantir que exigências legais não se tornem instrumentos de injustiça, especialmente quando a própria Administração Pública contribui para o descumprimento de prazos.
No escritório BÉDA Advocacia, entendemos que cada caso deve ser analisado individualmente, com atenção aos fatos concretos e às peculiaridades do certame, mas sempre com o firme compromisso de defender o direito daqueles que agiram com boa-fé e foram prejudicados por entraves administrativos.

Escrito por
Luís Eduardo Scalabrin